segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A crise no Egito: o alvo é Israel

Entenda o que está por trás da revolução em andamento no Egito


Fosse em outras circunstâncias, a atual crise política no Egito poderia ser vista como uma notícia alvissareira para o Oriente Médio, mas a realidade dos fatos nos impõe um cenário extremamente preocupante. No melhor dos mundos, a revolução no Egito levaria o país de uma ditadura para uma democracia. No mundo real, a verdade é que ela está levando o país, de uma ditadura islâmica moderada (para os padrões islâmicos, diga-se de passagem) para uma ditadura islâmica radical, de confronto com Israel e aliança cimentada com o Hamas e o Hezbollah.

Ou seja, o principal prejudicado na nova geopolítica que se desenhará no Oriente Médio pós-crise no Egito chama-se Israel.

No passado, o Egito foi arquiinimigo de Israel, e não estou com isso referindo-me ao passado remoto, ao período mosaico, mas à história recente mesmo. Quem é mais antigo deve se lembrar – e quem não é desse tempo, mas está inteirado dos fatos que marcaram o século 20, deve saber – que, desde a fundação do Estado de Israel, o Egito tornou-se forte opositor dos judeus. Eles lideraram, por exemplo, a Guerra Árabe-israelense de 1948, a Guerra dos Seis Dias de 1967 e a Guerra do Yom Kippur em 1973. Porém, em 1978, o Egito decidiu sabiamente abandonar a sua beligerância contra Israel, selando a paz entre eles em um acordo no ano seguinte, acordo este costurado pelos Estados Unidos desde o governo Gerald Ford e concretizado no governo Jimmy Carter.

Apesar de Hosni Mubarak ser um ditador que se perpetua no poder há 30 anos (sendo antecedido por dois outros ditadores – Nasser, que mandou de 1952 a 1970, e Anwar Sadat, que governou de 1970 a 1981 – todos anti-Israel, com Sadat mudando de posição só no final da vida), o Egito sob Mubarak se tornou um parceiro de Israel no Oriente Médio e uma voz moderada nas negociações de paz naquela região.

A verdade é que o presidente Hosni Mubarak tem sido um protetor do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, e um opositor do Hamas. Foi Mubarak quem ajudou a mediar as negociações com Israel, além de atuar como importante aliado contra o Hamas desde que o grupo tomou, há três anos, o controle da Faixa de Gaza. Entretanto, com a saída de Mubarak, quem controlará o poder no Egito é justamente a ala mais radical do país, a popular Irmandade Muçulmana, que é a mãe do Hamas. Isto é, a queda de Mubarak representa uma mudança significativa de poder no Oriente Médio em favor do Hamas, o que consolidará seu controle em Gaza e o ajudará a ganhar mais apoio na Cisjordânia. O Hamas já tem o apoio incondicional da Síria e do Irã. Com o poderoso apoio egípcio, Israel verá o poder de seus inimigos crescer sobremaneira.

É por isso que, nos últimos dias, Mahmoud Abbas telefonou inúmeras vezes a Mubarak, segundo matérias dos jornais “Wall Street Journal”, nos EUA, e do “Estado de São Paulo”, no Brasil, demonstrando forte apoio ao líder egípcio e desejando que tudo voltasse à “estabilidade e segurança” naquele país. Lembra ainda o “Estadão”: “O líder da ANP tem seguido a política de Mubarak de cooperar com os EUA e com Israel. Em outra mostra de lealdade, a polícia da Autoridade Palestina dispersou no domingo [30 de janeiro] um pequeno grupo de manifestantes na entrada da embaixada egípcia em Ramallah”.

Diferentemente da ANP, o Hamas rejeita as negociações com Israel e se recusa a abandonar os ataques terroristas. E o grupo tem entre seus fundadores membros da Irmandade Muçulmana. Na verdade, o Hamas reconhece oficialmente, em seu próprio Estatuto, que foi fundado como um braço da Irmandade Muçulmana entre os palestinos, e inclusive cita em seu documento muitas vezes a Irmandade.

A matéria do “Estadão” conversou com um alto funcionário do escritório de Abbas e colheu dele estas óbvias conclusões: “Os egípcios sempre se posicionaram como partidários da Autoridade Palestina. Se a Irmandade Muçulmana prevalecer no Egito, isso mudará toda a fórmula para a região”.

O “Movimento 6 de Abril”, liderado por jovens, é considerado por especialistas uma fachada da Irmandade Muçulmana. Notícias que chegam do Egito dão conta de que Mubarak já não tem mais o comando dos militares e que estes já estão ligados, em sua maioria, à Irmandade Muçulmana. Inclusive, a maioria do oficialato egípcio é, hoje ligada à Irmandade. E como se não bastasse tudo isso, o próprio Mohamed ElBaradei, Nobel da Paz e ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica, declarou ontem que fez uma aliança com... A Irmandade Muçulmana! Em busca de legitimidade dentro do movimento que quer derrubar Mubarak, ElBaradei se ligou ao grupo que o lidera: os radicais islâmicos.

Assim como a Revolução Islâmica que derrubou o xá Reza Pahlev em 1979 resultou no Irã que vemos hoje, o mesmo se desenha para o Egito, se concretizada a revolução em andamento. E pior que o presidente Barack Hussein Obama, em vez de aprender com a história, comete o mesmo erro que seu colega de partido Jimmy Carter cometeu há 32 anos, quando saudou a Revolução Islâmica no Irã como positiva, e todos vimos no que deu aquilo. Claro que, como a revolução no Egito parece inevitável, o presidente norte-americano pode ter se sentido “pisando em ovos” diante da situação, imaginando que se declarar contra a Irmandade Muçulmana agora poderia piorar as coisas em termos de tentativas futuras de negociações com os egípcios. Por outro lado, a verdade é que, quer os EUA se declarassem contra a Irmandade ou não, o comportamento padrão desta nos mostra que o resultado prático do discurso norte-americano sobre ela seria o mesmo: nulo. A Irmandade não vai se tornar “boazinha” só porque o presidente norte-americano a tratou com respeito quando ela caminhava para tomar o poder no Egito.

"Então, o que os EUA deveriam fazer? Tentar impedir a revolução?"

Não, mas Obama poderia muito bem não cometer esse gesto vergonhoso de ficar saudando como positivo algo que não é: a tomada de poder dos radicais. Ele sabe que não está havendo uma abertura para a democracia, mas um processo de radicalização em andamento. Ele deveria ser cauteloso e prudente com as palavras em todos os sentidos.

“E qual a saída para essa crise?”

Infelizmente, não há nenhuma à vista, porque a realidade é muito mais complexa do que alguns, ignorantes dos fatos, imaginavam no princípio (Refiro-me aos que, nos primeiros dias da revolução, pensavam que esta era um “movimento espontâneo em prol da democracia”, e agora, depois que se informaram melhor e a “ficha caiu”, estão apreensivos). Agora, resta-nos apenas orar enquanto assistimos o Egito dar passos largos para se transformar em uma ditadura islâmica radical, erguendo, diante dos nossos olhos, e em especial dos de Israel, o pior dos cenários possíveis.

Pr.Silas Daniel

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